Resenha HQB: Beco do Rosário
À sombra de um pé de Pau-Brasil*
Acredito no balanço das árvores
que não induzem, sugerem
leve origem dos ventos
e encher de sons o ar
soprado de respostas às vezes esquecidas
varrendo as mentiras pregadas
em nome da evolução e do progresso
à sombra
à sombra de um pé de Pau-Brasil
O poema acima foi tirado da introdução do livro do professor de história da cultura Nicolau Sevcenko, Pindorama Revisitada (editora Fundação Peirópolis-2000) e faz um painel do Brasil e da cidade de São Paulo da colonização ao século 20.
Tão belo como o poema, a HQ Beco do Rosário, de Ana Luiza Koehler, fala de uma fervilhante Porto Alegre do início do século 20. O ponto que une os dois, poema e HQ, é que ambos não deixam nada esquecido. Ana usa a ficção, mas retrata também algumas figuras da vida de Porto Alegre e a transformação por qual passou grande parte das cidades brasileiras.
No meio de toda essa ebulição urbanística, a população mais pobre é retirada dos centros e literalmente jogada nas bordas dessas cidades em nome dos “interesses privados e externos” como diz Sevcenko. O estreito Beco do Rosário (atual Avenida Otávio Rocha), é uma dessa ruazinhas que só apareciam nos jornais nas páginas policias da época e assim como outras, em breve o espaço será todo mudado.
Nesse cenário, nesse beco, conhecemos Vitória, que sonha em ser jornalista e mudar o discurso da imprensa, os irmãos Teo, um jovem engenheiro ligado à Comissão de Obras Novas da Intendência, encarregada de demolir os becos e abrir novas avenidas, e Frederica, uma entediada dama da sociedade presa a um casamento frustrado.
Ana Luiza entrelaça a vida de várias pessoas, alguns moradores do Beco do Rosário e outros das partes mais ricas de Porto Alegre. Vitória, que desde menina nutre o sonho de ser jornalista, um herói da primeira guerra, jornalistas, escultores, pintores e radialistas.
Os recordatórios, usados como recurso para localizar no tempo e no espaço o leitor, funcionam como uma leitura guiada. Recurso interessante, mas que as vezes pode quebrar o ritmo da leitura.
Se os recordatórios quebram um pouco o ritmo, eles também demonstram a extensa pesquisa urbanística de Ana Luiza. Não é a toa que a HQ é considerada um resgate histórico do centro da capital gaúcha. Está tudo lá, os cenários, os figurinos, os vocábulos, os becos e os casebres que desapareceram para dar lugar a ruas mais largas e em prol do progresso.
Usando magistralmente a aquarela e desenhos com bico de pena, Ana Luiza Koehler pinta a vida na cidade, seus cantos e recantos, como diz o poeta Dante Milano…
maior felicidade
que amar uma mulher,
amor de longo olhar
e presente saudade,
amor muito maior
é amar uma cidade!
Lembrando que essa é só a primeira parte deste resgate histórico em forma de história em quadrinhos. Esperamos ansiosamente o segundo volume. Para quem quer saber mais sobre a série, Ana Luiza mantém o blog Beco do Rosário, com atualizações do seu progresso dos próximos volumes. Vale a pena visitar.
Beco do Rosário
Edição Independente
Autora: Ana Luiza Koehler
Colorido
48 páginas
22×30 cm
R$ 35,00
*Bernardo Vilhena, in: 26 Poetas de Ontem, Heloisa Buarque de Hollanda (org.) – Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1976.
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