HQ que Acontece: Not Funny HA-HA
Essa é aquela HQ que talvez poucos conheçam. Escrita e desenhada por Leah Hayes, Not Funny Ha HA – A Handbook for Something Hard (Não é Engraçado HA HA – Um Manual para Algo Duro) fala sobre um grande tabu na maioria das sociedades atuais, inclusive no Brasil, trata-se de aborto.
Pouco retratado nas HQs, o assunto nunca deixa de ser polêmico e quando está presente é aborto espontâneo (Sue Storm do Quarteto Fantástico, por exemplo). Lembrando que há quatro anos, a Buffy em sua HQ anunciou que realizaria um aborto e todos enlouqueceram.
Com esse panorama, Hayes cria um livro com ilustrações longe de serem glamurosas, mas tão doces e sensíveis quanto seu conteúdo. A artista não tenta nem de longe fazer do aborto uma coisa linda e maravilhosa, pelo contrário, as pessoas acham que legalizar o aborto – no caso, o livro se passa onde o aborto é legal – fará com que as pessoas tenham aborto em sua rotina, como se fosse algo agradável.
“Vou acordar, me exercitar, passar na padaria…quer saber? Acho que vou aproveitar o caminho e fazer um abortinho…”. Não é tão agradável assim, Hayes deixa claro que é doloroso, é sangrento e independente do método, deixa cicatrizes.
“Ela foi pra casa do escritório. Ela queria ficar sozinha e pensar sobre tudo pelo que seu corpo passou, e o que tudo isso significava para ela…”
Em sua graphic novel, Leah se propõe a explicar como é cada tipo de aborto, quais os procedimentos e tudo mais. Para isso ela fala sobre a descoberta de uma gravidez e nos introduz duas personagens fictícias: Mary (23 anos) e Lisa (31 anos).
A autora mostra o medo do julgamento, a tristeza, a ansiedade, a agonia e desespero dessas meninas. Sua escrita muito sensível discorre sobre as páginas, fala da importância de pedir a ajuda a alguém e também diz que não é da conta de ninguém como aconteceu e que é um poder de decisão de cada uma, inclusive, ela não nos diz como cada uma engravidou, exatamente por isso.
“Porque às vezes que é a parte que nos leva mais tempo para descobrir”
“Eu senti que tinha algo a dizer sobre o que é abortar e desenhar é a minha forma de contar essa história“ disse Hayes em entrevista ao Buzzfeed. A ideia do livro não é definir o que é certo ou errado. “A forma de o fazer [através de um livro ilustrado] pode ser pouco convencional, mas eu quis oferecer uma sensação de conforto e abertura, ao mesmo tempo que demonstrava o peso do assunto“, conta a norte-americana.
No mundo, o procedimento interna sete milhões de mulheres por ano por complicações de saúde provocadas por abortos clandestinos. Também todos os anos 22 mil morrem pelo mesmo motivo. O dado é de um grande estudo feito em 2012 em mais de 26 países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil, e publicado em agosto de 2015 no Journal of Obstetrics & Gynaecology (BJOG).
Outras muitas mulheres, no entanto, sobrevivem, mas não obtêm apoio e tratamento adequado após o aborto. Dentre os países estudados, o Brasil foi o que menos tratou as mulheres após procedimentos clandestinos. A taxa é de 2.4 para cada 1.000 mulheres. O Paquistão, na outra ponta, foi o país que mais atendeu esse grupo, com uma taxa de 14.6 a cada 1.000.
Lembrando ainda que existem casos de quem tente realizar um aborto clandestino, sofre com complicações, vai ao médico em busca de ajuda e amparo e sai de lá algemada.
Dito isso, considero justificável colocar aqui o texto de Leah Hayes explicando o motivo que a levou a produzir Not Funny HA-HA – A handbook for something hard:
“Por quê este livro?”
“Existem várias razões pelas quais decidi escrever este livro e compartilhá-lo. O tema do aborto é complicado: é colocado muito foco no certo/errado, deve/não deve, a favor/contra, escolha/não escolha, etc… o discurso político começa quase imediatamente na decisão de abortar ou não, e depois se joga descontroladamente para o final do processo. Você abortou: fez o certo ou errado? É conflituosa? Como você se considera, pró-escolha ou pró-vida? Você se arrepende, de qualquer forma? O que significa se arrepender de um aborto? O que significa se arrepender de não ter feito um aborto? O tema está carregado com ideias e questões pesadas, e muitas vezes impossíveis de responder, tanto felizes como tristes, que nos empoderam ou assustam”.
Not Funny Ha-Ha possui um caráter bastante intimista onde no final ela ainda fala os motivos que a levaram a escrevê-lo, suas inspirações e etc.
O livro infelizmente é bastante difícil de encontrar no Brasil, mas é possível comprar pela Amazon, entretanto, não há versões traduzidas, só em inglês mesmo. Mas vá, procure e leia!
Not Funny HA-HA – A handbook for something hard
Fantagraphics Books
Autora: Leah Hayes
Capa dura
148 páginas
17,3 x 21,8 cm
R$ 54,34

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