HQ Que Acontece: Mate Minha Mãe
A primeira vez que li uma história em quadrinhos de Jules Feiffer foi quando troquei uns gibis e entre as minhas aquisições estava um almanaque do Grilo (que tenho até hoje). Foi muito estranho ver uma HQ sem requadros, balões, com personagens soltos na página e sem cenários.
Tenho um carinho especial por um volume da Fantagraphics, comprado na HQMIX Livraria, cujo personagem é Clifford, um anárquico garotinho. São histórias de uma página, e uma das mais bacanas é uma brincadeira de Feiffer com o personagem Spirit. Clifford, de máscara, capa, chapéu e calça curta encarna o herói.
Feiffer sempre esteve em alta produtividade, desde o começo da sua carreira, quando foi assistente no estúdio de Will Esneir entre 1947 e 1951. Curioso é que depois dos seus oitenta anos de idade é que o quadrinista foi lançar a sua primeira graphic novel, “Mate Minha Mãe”, publicada em 2015 aqui no Brasil pela Quadrinhos na Cia.
Assim como na edição da Fantagraphis que possuo, o agora veterano, Jules Feiffer, apresenta uma graphic novel noir e até existe um detetive particular, mas quem dá as cartas são as mulheres. São cinco mulheres ligadas a um detetive decadente e beberrão, em páginas que retratam o humor rápido do autor e o seu traço cartunesco.
Annie Hannigan é a filha de um policial que teve uma morte misteriosa, sua mãe, Elsie, vai trabalhar como secretária do detetive Niel Hammond e uma loira misteriosa a procura de uma atriz desaparecida entre outras. Tudo começa em 1933 e vai ter seu desfecho 10 anos depois. Toda a trama é recheada com muitas tocaias, trocas de identidades, socos, tiros, beijos, danças, canções melancólicas, diálogos afiados e hilariantes.
Apesar de Feiffer usar os elementos mais tradicionais e batidos do estilo noir como as femme fatales, personagens cujas intenções são geralmente nebulosas, detetives durões, figuras misteriosas, clima soturno e reviravoltas surpreendentes nessa trama tortuosa, “Mate Minha Mãe” é sim uma boa história nesse estilo, aliás, chega a quase a ser uma subversão do noir.
Dividida em duas partes, os anos 30, marcados pelo cinema ingênuo, musicais e comédias e os anos 40 marcados pelo início da 2ª Guerra Mundial, a HQ tem 30 capítulos com a brilhante arte de traços completamente soltos e uma paleta de cores acinzentadas que reforçam o clima noir detetivesco. Uma graphic novel vibrante que apresenta todo virtuosismo e vigor do veterano quadrinhista que trouxe uma celebração do cinema e dos quadrinhos que embalaram sua juventude.
Para os mais novos que não conhecem o nome Jules Feiffer, saibam que o quadrinhista possuiu uma carreira notável e no seu currículo estão incluídos prêmios como o Pulitzer, Oscar, Obie Award e outras homenagens da National Cartoonist Society e do Writers Guild of America.
Feiffer dedica seu livro a alguns bambas dos quadrinhos, cinema e literatura, entre eles Howard Hawks e Raymond Chandler. Hawks filmou em 1946 “À Beira do Abismo (The Big Sleep) baseado no livro de Chandler. No livro de Ruy Castro, “Saudades do Século 20” (Companhia da Letras – 1994) ele conta um divertido causo: havia uma morte misteriosa no livro, o diretor e o roteirista (o escritor Willian Faulkner) ficaram em dúvida e consultaram o autor, nem ele sabia quem era o assassino. Assim é o mundo noir.
Assim é Jules Feiffer. Escrevendo, desenhando e sempre inovando.
Mate Minha Mãe
Quadrinhos na Cia
Título original: Kill my mother
Roteiro e arte: Jules Feiffer
Tradução: Érico Assis
Encadernação: Brochura
20,9 x 27 cm
160 páginas
R$ 54,90

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