É necessário objetificar?
Vamos falar de um assunto espinhoso? Vamos sim! Vamos falar sobre a exposição e a objetificação das personagens femininas nas diversas mídias como quadrinhos, jogos, filmes, séries e etc.
Um assunto muito antigo que ganha cada vez mais espaço para debate é a representação do corpo feminino para o público. Uma garotinha inocentemente ganha sua primeira boneca e de cara não é a representação do corpo real feminino e, é claro, que não tem que ser real, com rugas e consequências do tempo e etc, mas suas proporções ficam longe de ser como realmente é.
Mais tarde a mesma garota compra uma revista com uma modelo com um corpo altamente esculpido em Photoshop e o conteúdo recheado de matérias de como perder peso, ou aquela gordurinha e coisas do gênero.
Não é diferente quando falamos de personagens fictícios. Isso acontece em diversas esferas na área do entretenimento há muitos anos. Por exemplo, as Histórias em Quadrinhos nasceram em 1896 com a publicação da primeira tirinha do Yellow Kid, e desse período em diante convencionou-se a linguagem das HQs tal qual conhecemos e a consolidação de inúmeros personagens que estão presentes em nossos dias até hoje.
As personagens femininas são retratadas desde o início, mas sempre mais apagadas que seus companheiros e à medida que o tempo passava, a mulher começou a ser objetificada e representada de forma irreal.
Não esqueceremos o passado
Ok, sempre é bom analisar o período e o contexto. Atualmente as histórias de Nelson Rodrigues (jornalista e escritor brasileiro, autor de O Beijo no Asfalto) talvez não fossem tão bem recebidas e as piadas dos Trapalhões poderiam não caber no momento social em que vivemos.
Tudo tem que ser analisado mediante ao contexto, então, na época era comum e aceitável retratar a mulher com roupas curtas, coladas, corpos bem aquém da realidade, decotes absurdos e saias que desafiam a gravidade como forma de atrair o público.
Mas é necessário continuar no passado?
Um dos filmes mais recentes que levantou todo o debate foi o mais novo divisor de opiniões da DC/Warner, Esquadrão Suicida onde uma das únicas personagens mulher de grande visibilidade, a Arlequina (Margot Robbie, O Lobo de Wall Street) foi caracterizada baseada em um dos arcos das HQs do Esquadrão Suicida e que a personagem usa roupas muito provocantes.
Com tantos movimentos sociais e pessoas engajadas a melhorar o modo como as mulheres são retratadas será que o estúdio não refletiu sobre o impacto dessa objetificação, mesmo que adaptada de um arco dos quadrinhos? É certo que a personagem nunca foi das mais recatadas, mas não é necessário expô-la desse modo.
Existem outros aspectos a serem analisados: o tamanho do short da personagem é tão, mas tão curto que eles precisaram ser alterados por computação gráfica para que os comerciais pudessem ser exibidos em determinados horários e países; além da própria intérprete ter relatado desconforto ao interpretá-la com aquela caracterização.
Inclusive existem cenas desconfortáveis como a “engraçadinha” em que ela se troca na frente de diversas pessoas, e a câmera filmando seu corpo, será que realmente era necessário? Se a cena era pra ser cômica, o foco da filmagem não deveria ser outro?
O resultado indica que o estúdio só quis colocar um corpinho bonito para atrair mais o público.
Bons exemplos: séries de televisão da DC
A sociedade internacional cobra uma postura diferente das editoras (no caso das HQs). O número de mulheres leitoras implica uma mudança de postura no tratamento de suas personagens femininas. Elas precisam ter mais autonomia sem torná-las um objeto. Exemplos recentes mostram o quanto isso é desnecessário e que é possível sim, criar uma personagem carismática, forte, sensual e fora dos padrões.
As séries baseadas nas HQs da DC Comics, uma das editoras mais influentes nos quadrinhos, mostram que a mulher pode ser protagonista, como na série Supergirl, em que a doce Melissa Benoist consegue unir com leveza a força de sua personagem e sua feminilidade sem ter que usar qualquer outro tipo de artifício a seu favor.
É fácil encontrar por aí fotos dela com garotinhas que tem a prima do tão aclamado Superman como a grande heroína, se sobressaindo a ele. Nas HQs ela sempre foi retratada com uniformes mais ousados que remete a exposição dos corpos femininos, mas na caracterização da série, foram mantidos os elementos principais, mas em um uniforme muito mais conservador, apropriado para o público infanto-juvenil que a acompanha e sem precisar passar aquela falsa impressão do corpo perfeito.
Inclusive, é interessante observar que quando a personagem Kara está escolhendo um uniforme, ela faz uma referência aos uniformes das HQs mostrando desconforto na possibilidade de voar e salvar as pessoas em roupas tão comprometedoras.
Outra personagem das séries da DC que consegue roubar todas as cenas em que participa é Fish Mooney, interpretada por Jada Pinkett Smith (Matrix Reloaded). A personagem que foi criada especificamente para a série de televisão é agressiva, determinada, sensual e até assustadora.
Sensual sim. Fish Mooney na primeira temporada é uma das mandachuva do crime de Gotham e é criminosa pra ninguém botar defeito. Embora sua caracterização sempre tenha um elemento sexy em suas vestimentas, seja na cor, no decote ou pela excelente atuação, a personagem não é de forma alguma exagerada, inclusive, em uma mulher como ela, é necessário ter esse quê de sensualidade.
Adaptar para melhorar
A Feiticeira Escarlate é um bom exemplo de personagem objetificada nas HQs, e com grande importância no universo dos Vingadores. Felizmente, a heroína foi trazida a vida no cinema com uma grande sacada de mestre da equipe de adaptação. Ao invés de usar aquela roupa mais conhecida da personagem que colocava a personagem como objeto, Elizabeth Olsen (Oldboy: Dias de Vingança, 2013) adotou um modelito inspirado no desenho animado X-men Evolution.
Essa caracterização deve ter sido uma das mais brilhantes do Universo da Marvel, simplesmente porque, caso eles mantivessem sua vestimenta mais conhecida (um colan vermelho colado ao corpo com um belo decote) provavelmente o a Marvel Studios teria que subir a classificação indicativa dos filmes dos Vingadores, reduzindo assim, o número de espectadores.
Claro que, infelizmente, podemos dar um exemplo contrário, quando se fala de adaptação. Ainda dentro do universo Marvel, mas agora pelo estúdio da Fox, a caracterização de Psylocke (Olivia Munn, Magic Mike -2012) para as telonas em X-men Apocalipse simboliza o quão pode ser falha a preguiça criativa.
O estúdio não refletiu sobre a opção de seguir uma linha menos comprometedora e melhor adaptada e colocou a mutante nas telonas em um uniforme que pode ser considerado clássico para os fãs de quadrinhos, mas aqui o clássico é um reflexo do tempo em que as personagens femininas estavam nas páginas apenas para demonstrar os seus belos corpos. Psylocke, aliás, é uma das mutantes que mais representam essa fase, com o seu “maiô ninja”.
Será que para o público infanto-juvenil que marca presença na bilheteria dos filmes dos mutantes tamanha exposição é necessária? E lembrando que isso não determina se o filme é bom ou ruim.
Entendendo as mudanças de comportamento
Um bom exemplo de customização é a icônica Mulher Maravilha, que pela primeira vez foi projetada em uma sala de cinema no filme Batman VS Superman: A Origem da Justiça. A primeira aparição da personagem data de 1940 e desde então o seu uniforme sofreu inúmeras alterações. Talvez o mais conhecido seja a versão usada pela Lynda Carter na série de TV americana da personagem, produzida entre 1975 e 1979.
Mais uma vez te convido a contextualizar a época e pensar se nos dias de hoje é necessário retratar a personagem naqueles trajes. A resposta é não. Sabendo disso, a nova Mulher Maravilha, a “Gal Maravilhosa Gadot” interpretou a sua a princesa das Amazonas da DC Comics em roupas mais confortáveis e não menos ousadas. Usando um corpete com saia nada longa, a equipe de filmagem teve o carinho de não exibir muito de seu corpo mesmo em cenas de ação, o que requer cuidado redobrado!
Outros ótimos exemplos! ♥
*Colaboração de Matheus Zuca
Nos games também estamos vendo as coisas mudarem…
Overwatch, jogo lançado em maio desse ano, deu um show com as personagens femininas. Ao todo são 22 personagens, sendo 9 femininas. Quase 50% dos personagens jogáveis, até agora, pois o jogo já demonstrou que novas personagens femininas virão.
Mas isso não é tudo. Cada personagem possui um biótipo diferente e um estilo diferente de ser, representando a maioria das mulheres.
A maior representação feminina é a Mei, uma personagem chinesa, gordinha, com roupas de esquimó. Em momento algum ela demonstra sexualidade, apenas prova ser uma lutadora forte através de suas técnicas em combate.
Zarya é outra personagem de Overwatch que demonstra que uma mulher não precisa ser sensual pra ser forte. Zarya é uma personagem russa fisiculturista que utiliza de armas baseadas em partículas e gravidade para proteger seus amigos e familiares. Quando lemos a biografia dela, vemos que mesmo sendo uma personagem com um corpo completamente musculoso, ela é muito sensível.
Essas duas e muitas outras são provas de que Overwatch é um exemplo a ser seguido, tanto como jogo, quanto como modelo de representação feminina.
Contrapartida
Não vamos fingir que não há objetificação ou exposição do corpo masculino. Isso também ocorre, mas é de forma muito diferente e não precisamos fugir muito dos exemplos expostos acima. No próprio filme da Batman Vs Superman há cenas de Henry Cavill que interpreta o alienígena aparece sem camiseta e a equipe cenográfica nem se preocupou em colocar um ovo frito falso de melhor qualidade, porque na verdade, o que deveria ser observado, eram seus músculos abdominais.
Exato, quando se trata do corpo masculino o foco são seus músculos, sua força, seu físico. Você dificilmente verá uma filmagem voltada para virilha de um homem, no caso das mulheres, isso é voltado às suas partes íntimas.
Deadpool é um filme que curiosamente conseguiu fugir disso enquanto satirizou o erotismo, mostrando closes da bunda do mercenário tagarela em um filme que faz piadas ridículas e forçadas, que muita gente ama, sem sexualizar as mulheres fora de contexto, como foi o caso da Arlequina.
Aceitando as diferenças
É possível transmitir força e sensualidade em uma personagem do sexo feminino sem ter que colocá-la como objeto de decoração de cena, ou expondo o seu corpo. Isso vale para as HQs, games e cinema. Podemos começar a pensar na representação de corpos mais reais, mas não menos belos, e assim, ajudar na aceitação de cada um perante seu próprio corpo.
Maurício de Sousa já fez várias inclusões de deficientes em seus quadrinhos para ajudar as crianças a se identificarem com seus personagens e se aceitarem mais, por que isso não pode acontecer na representação do corpo da mulher e da aceitação de cada um perante suas diferenças?
Pense nisso.
https://impulsohq.com/quadrinhos/e-necessario-objetificar/https://impulsohq.com/wp-content/uploads/2016/09/objetificação-nas-hqs.jpghttps://impulsohq.com/wp-content/uploads/2016/09/objetificação-nas-hqs-300x300.jpgnotíciasquadrinhosDC Comics,Elizabeth Olsen,Esquadrão Suicida,Feiticeira Escarlate,Fish Mooney,Gal Gadot,Jada Pinkett Smith,Lynda Carter,Margot Robbie,Marvel Comics,mulher maravilha,objetificação,Olivia Munn,Overwatch,Psylocke,Supergirl,X-men ApocalipseVamos falar de um assunto espinhoso? Vamos sim! Vamos falar sobre a exposição e a objetificação das personagens femininas nas diversas mídias como quadrinhos, jogos, filmes, séries e etc. Um assunto muito antigo que ganha cada vez mais espaço para debate é a representação do corpo feminino para o público....Marina CiconeliMarina Ciconeli[email protected]ContributorGosto de invernos gelados, cervejas trincando, abraços apertados, livros com bons conteúdos e pessoas com corações leves.Impulso HQ
Sou fã das mulheres, da psique e da alma feminina, mas também de seu corpo venusiano. Como homem, hétero e macho reprodutor que sou posso dizer que não existe maior deleite para um homem, maior prazer, maior alegria do que ver um belo corpo feminino, mas gosto não se discute e tenho todo o respeito pelos meus amiguinhos gays. Entretanto eu como sou um homem hétero mas também um feminista convicto, adepto do politicamente correto, gosto de ver mulheres gordas e peludas com cabelos duros e narizes bovinos vestidas preferencialmente como freiras, me da tesão e o melhor: agrada meu circulo de amigos progressistas!
Oi Marcio!
Bacana que tenha se interessado pelo texto. Seu comentário foge um pouco dele, independente de feminismo, convicções e etc, cada um de nós tem uma preferência e é um direito nosso, cada um escolhe a pessoa com quem quer se envolver por seus motivos, seja aparência, inteligência ou qualquer outra qualidade. Mas independente de qualquer coisa, cada um pode se vestir e se comportar como se sente melhor, sejam “mulheres gordas e peludas com cabelos duros e narizes bovinos” ou não e podem (ou não) optar por vestir-se como freira ou como lhes bem diz respeito, porque sentir-se bem consigo é algo muito importante e essas pessoas tendem a ser mais felizes, e de gente chata e mau humorada o mundo já está cheio, não é mesmo?
Abç
Concordo com seu texto,existe um linha tênue entre sensualidade e vulgaridade,beleza e apelação e exageros sempre existiram!E olhe que isso é dito de um leitor voraz de Conan e admirador confesso de Milo Manara!!!Acredito que boas histórias podem ter mulheres sensuais e seminuas (e homens também)desde que tenha contexto,um certo autor baiano chamado Jorge Amado também sofre com isso em suas adaptações (horríveis por sinal)para a televisão!Ou seja mesmo que as hqs trabalhem com o conceito idealizador que a filosofia do mito permite,outras formas de arte também sofrem com essa mediocridade!Na arte não devemos sofrer nenhum tipo de ditadura seja ela da sensualidade ou do politicamente correto!O que queremos são boas histórias!
Oi Cade, tudo bem?
É exatamente isso, todo e qualquer personagem pode ter um quê de sensualidade, contanto que seja pertinente à história e contexto. Nas artes como um todo, música, artes plásticas, cinema, teatro, literatura e tantas outras áreas sofrem muito com isso, seja pelo proprio autor ou pelas grandes empresas que regem suas obras. Em todo caso isso acontece sim em diversas esferas embora nao devesse sofrer nenhum tipo de ditadura (como você mesmo coloca). Cabe a nós leitores e consumidores de arte e cultura definirmos o que queremos apreciar, e quem sabe isso tende a melhorar, não é mesmo?
Abç