O título do nono filme de Quentin Tarantino, “Era uma vez … em Hollywood”, faz referência a obra-prima de Sergio Leone “Era uma vez no Oeste”. Tarantino abraça a influência do gênero ocidental no seu mais recente trabalho, tanto estruturalmente como na trama e brinca com a forma como os filmes sobre o Velho Oeste conversam com mundo real.
Da mesma forma que alguns desses filmes usavam pessoas e lugares reais para contar uma história, Quentin elaborou uma ode elegíaca para representar uma época que ele viveu diversas vezes em livros e filmes. O diretor disse uma vez: “Quando as pessoas me perguntam se eu fui para a escola de cinema, eu digo a elas: ‘não, eu fui ao cinema'”.
E é essa educação pautada pela luz do projetor, que passa por cada quadro de Era uma vez em Hollywood, um filme que só ele poderia ter inventado. No entanto, este não é o filme que os fãs mais fervorosos de Pulp Fiction e Bastardos Inglórios estão esperando, é mais sombrio e parece buscar algo que está fora de alcance.
A paisagem cinematográfica está repleta de cartas de amor endereçadas à Hollywood, de La La Land a Trovão Tropical, mas nenhum deles tem a voz e o ponto de vista únicos que Quentin Tarantino traz para seu drama meditativo, astucioso e surpreendentemente maduro.
Fui pego desprevenido pela originalidade. Tarantino sempre foi um mestre da imitação pegando emprestado elementos visuais e temáticos de seus gêneros favoritos, mas transformando-os em agressivos, confrontantes westerns, imagens de guerra ou vinganças épicas. Esse filme não é uma réplica estilizada de um gênero existente, mas sim uma representação da indústria que Tarantino escolheu chamar de sua.
Mas mesmo essa descrição limita a abordagem ambiciosa de Quentin, pois, ao definir sua história em três dias muito específicos em 1969, o diretor/roteirista também se insurgiu contra o espectro dos assassinatos de Charles Manson, o impacto que essa ameaça teve naquela comunidade e a mudança sísmica ocorrida na cultura do sul da Califórnia durante aquele período.
Acompanhamos a história de Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) um ator de meia idade que luta para conseguir novos papéis e Cliff Booth (Brad Pitt) Seu dublê e melhor amigo.
Nessa narrativa, encontramos Sharon Tate (Margot Robbie), uma atriz atualmente casada com o diretor Roman Polanski que vive ao lado de Rick. Seus caminhos se cruzarão, mas não antes de ambos os personagens refletirem os dois lados da fantasia do showbiz – a atriz estrelada pela oportunidade de assistir a um de seus filmes com uma plateia, e o quase “cowboy” – que duvida do seu potencial e isso pode acabar com a sua carreira.
Destaque para o trio que é o coração do filme, Tarantino, DiCaprio e Pitt, trazendo décadas de experiência em seus papéis. Nenhum deles poderia ter feito o mesmo filme antes, se tentassem o filme não seria tão criterioso e crítico quanto acaba sendo. DiCaprio está muito bem, passa muito bem as inseguranças que atormentam o seu personagem ao mesmo tempo que dá uma presença incrível para as cenas. Brad Pitt também hipnotiza, sua narrativa dentro da trama acaba se mostrando mais interessante do que a do próprio Rick.
Tarantino também assina o roteiro do longa e como ponto fraco do filme destaco o quanto ele não desenvolve personagens chave para a trama, como o de Sharon que aparece muito pouco no filme e deixa o público com aquele sentimento de quero mais. Mas suas escolhas musicais e seu trabalho de câmera (com a ajuda do cinematógrafo de longa data Robert Richardson) trazem para a tela uma época passada da história da Califórnia com uma precisão impressionante.
Era uma vez em Hollywood é mais maduro e pensativo do que a maioria dos filmes anteriores do diretor, o que pode levar o espectador a ter a impressão de que esperava mais da obra de Quentin, é ousado, porém melancólico. O roteiro fornece uma viagem honesta, pulsante e surpreendente através da era de ouro de Hollywood.
É o trabalho conciso de um contador de histórias veterano que está relembrando uma carreira brilhante e refletindo sobre o poder do filme, enquanto destaca o sangue, o suor e as lágrimas que envolvem a criação de entretenimento para o público. Um belo e pungente retrato de uma era passada, repleta de lindas odes ao método de contar histórias com a câmera que Tarantino aperfeiçoou ao longo dos anos.
É o filme de Quentin sobre filmes que poderia apenas ser feito por Tarantino.
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